Foi com a frase acima que um integrante de uma facção que opera na distribuição de cocaína e maconha na […]

No mundo do crime não existem amigos

Foi com a frase acima que um integrante de uma facção que opera na distribuição de cocaína e maconha na cidade de Manaus começou uma conversa tempos atrás. Eu fiquei surpreso com essa afirmação, posto que, as “comunidades” de criminosos operam de forma bastante coesa e disciplinada, onde a confiança se coloca como um fator fundamental para a manutenção estruturada dos negócios principais dessas redes.

Ele continuou dizendo que no mundo do tráfico, os negócios sempre vêm em primeiro lugar, depois o resto, e que amizades são passageiras.

As facções criminosas voltadas para o tráfico de entorpecentes são organizações constituídas exclusivamente para operacionalização de um sistema marginal de distribuição e venda de drogas. Ou seja, os negócios são sempre mais importantes que pessoas, promessas ou amizades. Não importa o que você faça ou quem você seja dentro da facção, as drogas sempre estarão em primeiro lugar, e qualquer ameaça à manutenção “segura” e rentável do negócio das drogas, destrói laços sanguíneos, familiares ou de amizade.

Após fazer alguns questionamentos, pedi que o rapaz continuasse;

– Anos atrás, doutor, quando eu estava subindo na estrutura da organização, chamei um grande amigo para trabalhar comigo. Ele não precisaria se envolver no negócio das drogas diretamente, ele poderia apenas trabalhar a parte “administrativa” e de suporte. Ele aceitou pois estava passando por um momento ruim, enquanto eu andava sempre bem arrumado, roupas caras, carros novos e mulheres a vontade.

Certo dia estávamos em uma festinha em um sítio de um dos chefões, quando esse meu amigo, que não conhecia muitos que ali estavam, aproximou-se de uma moça que não conhecíamos. Papo vai, papo vem entre os dois, e cerveja e apostas entre os outros.

Após mais um dia de curtição, fomos embora.

No dia seguinte ao ocorrido, um dos chefões me liga dizendo que queria falar comigo. Fui até ele com uma garrafa de uísque para saber do que se tratava. Sem muito rodeio ele ordenou que eu desse um fim no meu amigo, pois a garota da festa era sua e ele não aceitava traição. Disse-me que mesmo sendo informado por ela que estava com alguém naquela festa, ele ainda insistiu para pegar o número do telefone, demonstrando falta de total respeito.

Eu relutei para que ele reconsiderasse a ordem. Disse-lhe que era meu amigo, que estava pouco tempo no trabalho e que não sabia muita coisa soabre a facção e que aquilo não se repetiria. Ele apontou o dedo pra mim e afirmou:

– Ele até sexta, ou você vai junto!

Saí de lá derrotado, e com uma vontade imensa de matar um monte de gente e salvar o meu amigo. Mas lembrei do que ouvira antes de outra pessoa; nesse negócio, drogas, confiança e respeito sempre estão em primeiro lugar.

Dois dias depois levei meu amigo a um motel com algumas garotas. Passamos a noite na orgia e na sacanagem. Depois, pedi que fossemos a um determinado lugar buscar um dinheiro com um conhecido, antes de irmos pra casa. Levei o carro em um ramal do Tarumã, o sol forte da manhã brilhava em nossos rostos ressaquiados. Parei o carro, próximo a outro que nos aguardava. Pedi que ele fosse lá pegar a encomenda. Baixei a cabeça e ouvi três disparos, o barulho do corpo caindo sobre as folhas secas me matou por dentro….

Liguei o carro e fui para casa chorando como uma criança.

Nunca esqueci o desespero de sua mãe, quando lhe informaram sobre o ocorrido.

Naquele dia eu confirmei a primeira lição que me ensinaram quando entrei para o crime:

No tráfico não existem amizades, não existe remorso ou reverso, tudo gira em torno do dinheiro, das drogas e da submissão a quem está acima de você.

*Relato enviado por e-mail para nossa redação.

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