Muito antes de Michelangelo pintar o afresco da Capela Sistina, “artistas” deixaram suas marcas em três cavernas na Espanha. As […]

Nova tecnologia de datação indica que pinturas mais antigas do mundo foram feitas por neandertais

Muito antes de Michelangelo pintar o afresco da Capela Sistina, “artistas” deixaram suas marcas em três cavernas na Espanha. As pinturas rupestres nas paredes de La Pasiega, Maltravieso e Ardales incluem representações de animais, impressões de mãos e figuras geométricas, em murais que arqueólogos pensavam terem sido criados por sociedades humanas do passado. Contudo, uma nova tecnologia de datação, indica que as obras foram criadas há mais de 64 mil anos, 20 mil anos antes de os humanos modernos chegarem à Europa.

”Nossos resultados mostram que as pinturas que datamos são, de longe, as mais antigas artes das cavernas conhecidas no mundo, e foram criadas ao menos 20 mil anos antes dos humanos modernos chegarem à Europa vindos da África. Então, devem ter sido pintadas por neandertais”, concluiu Chris Standish, arqueólogo da Universidade de Southampton, autor principal do estudo publicado esta semana na revista “Science Advances”. — Esta é uma descoberta incrivelmente emocionante, que sugere que os neandertais eram muito mais sofisticados do que se acredita popularmente.

Os neandertais eram hominídios “primos” dos humanos modernos, que provavelmente surgiram no continente europeu e se expandiram para regiões da Ásia, mas foram extintos há cerca de 40 mil anos, logo após a chegada dos humanos modernos vindos do continente africano. Estudos indicam que as duas espécies compartilham 99,7% do DNA e ambas evoluíram de um mesmo ancestral, o Homo erectus. Reconstruções a partir de fósseis indicam que os neandertais eram mais atarracados, com pernas mais curtas e troncos maiores que os dos Homo sapiens, o que criou no imaginário a ideia de brutalidade.

”Logo após a descoberta dos seus primeiros fósseis no século XIX, os neandertais foram retratados como brutos e sem cultura, incapazes de produzir arte e comportamentos simbólicos, e algumas dessas visões persistem até hoje”, comentou Alistair Pike, professor de Arqueologia em Southampton. — A questão de como os neandertais se comportavam é muito debatida. Nossas descobertas trazem contribuições significativas a essa discussão.

A Caverna de La Pasiega, no noroeste do país, é como uma galeria de arte do passado, com um corredor que se estende por cerca de 120 metros e se abre em “galerias”. Arqueólogos identificaram milhares de pinturas, incluindo de espécies animais como veador, cavalos, bisões e auroques, além de pássaros e peixes. Desde 2008, o complexo é considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Figuras similares estão presentes na Cova de Maltravieso, no oeste da Espanha e na caverna de Ardales, no sudoeste.

Segundo os pesquisadores, as marcas da impressão de uma mão e riscos poderiam ser acidentais, mas figuras geométricas e pinturas de animais são claramente intencionais. Os desenhos foram criados com pigmentos coloridos, principalmente de cor preta e vermelha. Os pesquisadores coletaram materiais em cerca de 60 desenhos e realizaram a datação com o método urânio-tório, considerado mais preciso que o radiocarbono. Os resultados de todas as amostras, das três cavernas, indicam que as pinturas foram feitas, no mínimo, a 64.800 anos.

Em Ardales, os pesquisadores descobriram que as pinturas foram feitas ao longo de um período de 25 mil anos, sugerindo que os murais não apareceram de repente, mas fazem parte de uma longa tradição. Essa informação é corroborada por um outro estudo, que analisou conchas contendo pigmentos vermelhos e amarelos, provavelmente usados no passado para a pintura, que foram datados em 115 mil anos.

Os neandertais criaram símbolos com significado em lugares importantes. Esta arte não é acidental — apontou Paul Pettitt, da Universidade de Durham e coautor da pesquisa. — Nós temos exemplos em três cavernas com 700 quilômetros de distância entre elas, e evidências de que era uma tradição antiga. É possível que obras de arte em outras cavernas na Europa Ocidental também tenham origem neandertal.

Artefatos simbólicos datados em 70 mil anos já foram descobertos na África, mas associados com humanos modernos. Na Europa, existem outros murais de pinturas rupestres e figuras esculpidas, ferramentas decoradas e joalheria, datados de até 40 mil anos, mas os cientistas acreditam que são criações dos humanos modernos após a chegada ao continente.

Entre os neandertais, existem evidências na Europa do uso de ornamentos corporais por volta de 45 mil e 40 mil anos atrás, mas os arqueólogos acreditam que isso seja resultado da interação com grupo de humanos modernos recém-chegados ao continente. Contudo, com a nova datação, “não restam dúvidas que os neandertais compartilharam o pensamento simbólico com os primeiros humanos modernos”. E os pesquisadores levantam a tese de que essa capacidade foi herdada do ancestral comum, não adquirida após a chegada dos humanos modernos.

As pinturas revelam muito além dos registros da fauna e da flora da região há milhares de anos, mas a complexidade cognitiva desses parentes dos humanos. Para pintar não basta esfregar algo nas paredes, é preciso elaborar a tintura misturando pigmentos, selecionar a localização do painel e planejar a iluminação. Dick Hoffmann, pesquisador do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária e coautor do estudo, destaca ainda que os resultados indicam que uma cultura material simbólica foi repassada de geração e geração ao longo de milênios, característica que, até agora, só era atribuída à nossa espécie.

O surgimento da cultura material simbólica representa um limiar fundamental da evolução da Humanidade. É um dos pilares principais que nos torna humanos — explicou Hoffman. — Artefatos cujos valores funcionais não estão no uso prático, mas no simbólico, são aspectos fundamentais da cognição humana como a conhecemos.

*Com informações da fonte: O Globo

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