Aos doze anos de idade, durante visita à casa dos tios, Fernanda foi convidada pelo tio a ir a um […]

Quando o perigo está dentro de casa

Aos doze anos de idade, durante visita à casa dos tios, Fernanda foi convidada pelo tio a ir a um lugar da casa para mostrar a ela a aquisição de uma mobília que o mesmo havia comprado para a filha mais nova, de 7 anos. Chegando ao local, o homem se aproximou de maneira sútil, abraçou a sobrinha e começou a alisá-la. Ao sentir a mão do agressor em suas partes íntimas, a garota se assustou, correu e felizmente conseguiu fugir.

Fernanda tem 22 anos hoje, mas nunca relatou a situação aos pais ou a qualquer pessoa responsável que pudesse lhe prestar apoio. Ela vive isolada, se sente excluída, incapaz de ser amada, ouvida. A jovem convive com esse trauma acerca de dez anos de forma solitária e dolorosa.

Diante dos outros ela sorrir, finge não dar importância ao sentimento de exclusão, de se sentir inferior ou incapaz de ter uma amizade verdadeira. Na solidão do quarto ela sofre, chora, relembra, desconfia e cria maneiras letais de acabar com a sua dor. As pessoas não se aproximam, não a notam e parecem não se importar. Talvez o trauma também tenha a inibido de se aproximar e confiar plenamente em alguém novamente.

Quanto ao tio, este continua a viver sua vida, sabe-se lá quantos outros abusos ele já cometeu com outras crianças. A vergonha, o medo e falta de alguém em quem confiar ajudam esse tipo de gente a se livrar da punição que lhe cabe.

Fernanda é um nome fictício, mas a história está longe de ser uma invenção. Diariamente, milhares de pessoas sofrem ou já sofreram algum tipo de abuso sexual, as mulheres parecem liderar o ranking das vítimas de aliciadores, ainda que não se tenham dados exatos acerca desta problemática.

Carência de dados

A falta de dados coerentes, especialmente no Brasil, contribuem consubstancialmente para que casos de abusos aconteçam e os abusadores continuem impunes. Essa escassez de números coesos impendem ainda que políticas de prevenção e combate a este tipo de crime sejam elaboradas e implantadas, uma vez que não se conhece a fundo a forma como nasce a prática do crime e qual o perfil dos criminosos.

Contudo, acompanhado diariamente os noticiários, é assombroso perceber que muito dos casos de abuso sexual infantil acontecem dentro da família da vítima. Quando não é um parente, é um vizinho ou um amigo muito próximo da família da criança. A situação tonar-se mais assustadora ainda quando o caso envolve padrasto e enteada. Não é incomum ler e ouvir sobre relatos de que em muitas ocasiões a mãe da criança é conivente com ação criminosa do marido. Em outras situações, quando as crianças buscam ajuda, algumas progenitoras culpam a vítima ou as chamam de mentirosas.

Esse tipo de posição e comportamento de quem deveria proteger, inibe a criança de procurar ajuda e a conduz a caminhar sozinha no caminho da dor e do isolamento.

Sinan

De acordo com uma pesquisa realizada pela BBC no ano de 2016, no Brasil, o sistema de saúde registrou 22,9 mil atendimentos a vítimas de estupro no Brasil. Em mais de 13 mil deles – 57% dos casos – as vítimas tinham entre 0 e 14 anos. Dessas, cerca de 6 mil vítimas tinham menos de 9 anos.

Os número foram retirados do Sinan, o sistema de informações do Ministério da Saúde, que registra casos de atendimento de diferentes ocorrências médicas desde 2011.

O sistema consolida dados tanto dos serviços de saúde pública quanto da rede privada.

“Crianças e adolescentes de até 14 anos são mais vulneráveis à ocorrência de estupro principalmente na esfera doméstica. Os autores da violência, na maioria das vezes, são familiares e pessoas conhecidas”, afirmou à BBC em fevereiro deste ano, a médica Fátima Marinho, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Ainda com os dados do Ministério da Saúde, isso é só a ponta do iceberg, pois nem todos os municípios, por exemplo, reportam o caso à instituição, mesmo que seja uma obrigação legal.

Estupro

Para o Ministério da Saúde, a definição de estupro é a mesma adotada no âmbito pena. Alguns dos exemplos considerados como estupro são a conjunção carnal, toques íntimos, a introdução de dedos ou objetos na vagina, masturbação e sexo oral e anal.

Vulneráveis

Se muitas vítimas adultas têm medo de denunciar seus casos à polícia por medo de represálias e serem desacreditadas, as crianças estão ainda mais vulneráveis a este tipo de situação, a chance de o problema nunca chegar às autoridades é maior.

Não é incomum ver na imprensa, processos que chegam à Justiça, que visam desqualificar e tornar ilegítimo a denúncia da criança com o objetivo claro de inocentar o agressor.

Como enfrentar o trauma quando quem deveria proteger é o primeiro a desqualificar e ilegitimar seu sofrimento?

É triste superar uma condição adversa quando não se pode ter apoio das pessoas que mais se confia. O perigo em muitas situações está dentro de casa ou muito próximo das famílias.

Quão lamentável é uma sociedade que transforma a vítima em algoz em detrimento do agressor.

Estupros de meninos

Mesmo diante da escassez de dados e dos inúmeros casos de abuso contra crianças do sexo feminino relatados na imprensa, essa realidade não é exclusivamente de meninas, pelo menos é o que aponta os números da Secretária de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

Segundo a SSP-AM, em Manaus cresceu número de estupro contra homens menores de idade. Conforme os dados o aumento foi de 133%, e de cada 100 estupros registrados, cerca de dois foram contra vítimas do sexo masculino.

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