Observar a vida através de um ônibus pode nos levar a experiências que, por mais simples que elas possam ser, […]

Trabalhadores cansados e sujos

Observar a vida através de um ônibus pode nos levar a experiências que, por mais simples que elas possam ser, são marcantes. E numa cidade como Manaus, onde o calor é soberano dentro de um ônibus lotado – em pleno horário de 14 horas – é algo indescritível quando a mente está liberta aos pequenos detalhes inacreditáveis que perdemos já que, muitas vezes, nos distraímos com pensamentos diversos, desejando sempre que uma pessoa interessante sente ao nosso lado, até mesmo quando fingimos estar tirando um leve cochilo ou fechamos os olhos com o fone nos ouvidos e virando a cabeça para o outro lado.

Entrando pela periferia repleta de passagens estreitas e pequenas ruas, onde o ônibus mal consegue se locomover direito; cortando becos e mais becos que parecem infinitos, onde o número de pequenas mercearias é incrível e os bares considerados de “zona vermelha” sempre estão abertos para cidadãos de bem [até mesmo aos “galerosos” que, volta e meia, vão trocar seus furtos por bebidas e cigarros].

Foi passando por esse tipo de ambiente pesado que me deparei com uma cena que ficou gravada na minha cabeça  por horas – mesmo não levando mais do que um minuto para presenciá-la. Fiquei muito impressionado e pensativo ao passar por esse lugar e ver os trabalhadores da construção civil, e dos estaleiros próximos, reunidos num desses bares pesados e perigosos, apenas para curtirem mais um domingo de maneira bastante peculiar e animada, como só eles sabem.

Ainda uniformizados, mal saindo de mais um dia de hora extra de trabalho, reúnem-se alegremente em um pequeno boteco de esquina entre os becos, completamente cansados e sujos no maior frenesi. O domingo ainda vai lhes reservar bastantes surpresas, já que os “galerosos” dos becos mais próximos ficam só observando na espreita sabendo que, logo mais, um daqueles trabalhadores cansados e sujos se tornará um alvo fácil, assim que o último se retirar ou ficar sozinho.

Esses trabalhadores cansados e sujos iniciam o domingo já pegando no pesado, quase que constantemente, enquanto a maioria da cidade ainda dorme. E ao largarem o seu árduo expediente de hora extra, só desejam alguma coisa que transforme suas vidas marcadas em um único instante. Tal desejo é bem simples e pode até parecer demagogo, mas é algo que universitários e estudantes, infelizmente, ainda desconhecem e que muitos empresários não conseguem mais sentir. É algo que homens de sucesso esqueceram pelo simples fato de, agora, só viverem em função do seu sucesso.

O desejo desses trabalhadores cansados e sujos é, simplesmente, beber um copo de cerveja bem gelada, pois, com esse desejo, eles acabam esquecendo todos os seus medos e receios por algumas horas, sentindo-se como os homens mais poderosos do mundo. Uma cerveja bem gelada num calor intenso fortalece suas vidas, alivia-os de toda a tensão e do sofrimento que passam, apagam todas as humilhações que sofrem no constante trabalho pesado em que vivem. Uma cerveja bem gelada é tudo que precisam!

 O que mais esse homem pode desejar?

Já que o estudo não foi seu forte; a sorte não lhe sorriu e o caminho do crime não lhe seduziu, ou mesmo manifestou desejo nas drogas que o mundo oferece aos montes e de graça em cada esquina!

O que mais esse homem pode desejar?

Se na sua juventude teve que trabalhar para sustentar toda a família; o exército lhe dispensou e nunca teve dinheiro para manter os estudos, mal aprendera a ler direito e nunca tivera contato com nada que não fosse do mato!

O que mais esse homem pode desejar?

Se já nascera órfão de pais, sofreu violência infantil, ou apenas é mais um imigrante do interior tentando a sorte na cidade grande – sem imaginar que a cidade era realmente grande – e que até para varrer as ruas era preciso ter diploma!

Esses homens se tornam gigantes por suas pequenas alegrias; esses homens são ricos, apesar do pequeno salário; esses homens se contentam com as suas vidas pacatas e desgastadas, vivem num mundo para qual foram habituados desde muito cedo. Nesse mundo, a força física prevalece sobre a inteligência, pois nesse mundo de trabalhadores cansados e sujos – são guerreiros e felizes – algo se cria, mas nada se transforma.

Alguns até mudam de vida ou buscam construir família, outros nem tentam lutar por isso, provavelmente porque a rotina do seu trabalho se torna uma prisão sem grades. Existem homens que bebem sua cerveja ou tomam seu chope – por pura e simples diversão – com o intuito de comemorar uma data especial ou algo do tipo; outros vão aos bares finos da cidade, muitas vezes apenas para se exibirem ou mesmo fugirem dos problemas familiares e das mágoas, enquanto outros por conta da dependência do álcool.

Uma grande maioria usa a bebida como desculpa para realizar proezas ou mesmo para misturá-la com outros vícios mais pesados; outros homens bebem sua cerveja para fugirem da solidão ou para buscarem novas conquistas e, até mesmo, para usarem como álibi em seus adultérios e erros imperdoáveis.

Mas esses trabalhadores cansados e sujos, que largam seu expediente árduo às 13 horas de domingo, bebem sua cerveja nos botecos dos becos sem medo simplesmente porque são os homens mais diferenciados que existem entre nós. E sabem por quê?

Porque eles só precisam de um copo de cerveja bem gelada para viverem felizes!

Pode não ser nada para muitos, mas, para esses homens que vivem matando um leão por dia, a felicidade verdadeira está em fazer dos seus raros momentos de alegria uma prova real de que ainda existem.

 

*Sid Sheldowt é compositor, poeta e escritor. Autor do livro Apocalipse Tribal.

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